Na engenharia geotécnica, o solo representa um desafio complexo devido ao seu comportamento não linear e dependente da trajetória. Quando utiliza a análise de elementos finitos (AEF) para modelar a interação entre o solo e a estrutura, é essencial incorporar as fases de construção à análise para obter simulações precisas, previsões realistas e dimensionamentos mais seguros. Negligenciar este aspeto crítico pode resultar em distribuições de tensões irrealistas, previsões de assentamento menos precisas e pode comprometer a estabilidade estrutural. Este artigo explora as principais razões para adotar esta abordagem e destaca a sua importância na análise geotécnica.
- "Não linearidade e histórico de tensões no comportamento do solo"
O solo não se comporta de forma linear quando sujeito a carga; a sua resposta depende do histórico das tensões aplicadas. A relação tensão-deformação desenvolve-se à medida que as cargas são introduzidas por incrementos durante a construção. Reter este progresso é essencial para uma distribuição de tensões realista, uma vez que as fases de construção alteram a distribuição de tensões de forma gradual, afetando o assentamento e a resistência.
- "Aplicação de cargas sequenciais"
Na construção, as cargas são aplicadas gradualmente à medida que as camadas ou estruturas são adicionadas. O método de elementos finitos (MEF), que incorpora as fases de construção e simula aplicações de cargas realistas, permite uma previsão precisa dos assentamentos. Desta forma, é evitada uma estimativa por excesso ou defeito da resposta do solo que pode afetar a estabilidade estrutural.
- "Interação com estruturas existentes"
Para projetos que incluem estruturas adjacentes ou já existentes, o impacto de uma construção faseada em edifícios ou infraestruturas próximos pode ser significativo. A análise faseada ajuda a avaliar os riscos de assentamento diferencial ou danos estruturais.
- "Desafios específicos da construção"
A análise por fases ajuda a tratar as condições temporárias durante a construção, tais como seca, assentamento excessivo etc. Com a simulação de cada fase, os engenheiros podem identificar antecipadamente possíveis mecanismos de rotura e dimensionar medidas de mitigação para manter a estabilidade durante a construção.
- "Conformidade com as normas de dimensionamento"
As normas de dimensionamento geotécnico modernas, tais como o Eurocódigo 7, reforçam a importância de considerar as fases de construção nas análises. Estas normas exigem que os engenheiros avaliem a estabilidade intermédia durante a construção e o desempenho a longo prazo do sistema solo-estrutura após a construção, o que requer uma abordagem por fases do processo de dimensionamento.
Análise geotécnica com fases de construção no RFEM 6
Determinada a importância de incorporar as fases de construção na análise geotécnica, iremos agora analisar como aplicar esta abordagem utilizando o modelo descrito abaixo. O modelo apresenta um edifício de betão armado situado num maciço de solo, modelado no RFEM 6. A estrutura é constituída por uma laje de betão armado por piso, uma laje de fundação, pilares e paredes verticais. As cargas aplicadas incluem o peso próprio do solo, o peso próprio da estrutura, as cargas permanentes e as cargas variáveis.
Para os que são novos no fluxo de trabalho para definir fases de construção no RFEM 6, recomenda-se a consulta dos artigos da base de dados de conhecimento listados abaixo. É importante notar que as fases de construção no software são definidas com base em dois fatores principais: os elementos estruturais ativos durante uma determinada fase e as cargas aplicadas nessa fase. Para garantir clareza e concisão, o processo será demonstrado para a primeira fase de construção, acompanhado de uma tabela que resume como o mesmo fluxo de trabalho pode ser estendido para definir as fases seguintes.
- KB 1737 | Definição das fases de construção em termos de modelação
- KB 1724 | Consideração das fases de construção no RFEM 6
Na fase inicial de construção, o foco recai exclusivamente sobre o solo. Para configurar esta fase, aceda à janela "Fases de construção" e selecione os separadores "Sólidos" e "Superfícies", conforme apresentado na Figura 1. Este passo garante a inclusão do sólido do solo, bem como das superfícies com as condições de fronteira predefinidas. Navegue pelos separadores associados para ajustar o estado dos sólidos e superfícies. Para os sólidos, selecione "Tudo", visto que não existem outros sólidos no modelo nesta fase. Da mesma forma, no separador "Superfícies", inclua superfícies com condições de fronteira predefinidas, especificamente as superfícies numeradas 31–47 e 54–57, conforme apresentado na Figura 2. Para simplificar este processo, podem ser utilizadas seleções de objetos predefinidas, o que permite adicionar todos os elementos relevantes simultaneamente. Esta abordagem não só poupa tempo, como também aumenta a precisão na configuração das fases de construção.
Uma vez definidas as alterações estruturais para a fase de construção, o próximo passo é especificar os casos de carga ativos durante esta fase. Isso pode ser feito no separador "Fases de construção" da janela "Casos de carga e combinações", como mostra a Figura 3. Para a fase inicial, apenas é considerado o peso próprio do solo e o caso de carga correspondente é atribuído em conformidade.
Neste passo, é possível introduzir opções adicionais, tais como alterar a estrutura, conforme necessário para a fase inicial em consideração (ver Figura 4). Isto é essencial porque, em análises que é utilizado o endurecimento do material do solo, o material tem de ser linearizado na primeira fase. Para alcançar isso, abra a janela relevante e desative a não linearidade do material, como apresentado na Figura 5.
Em seguida, pode ajustar a configuração da análise estática para as fases individuais abrindo a janela "Configuração da análise estática" utilizando o separador Geral apresentado na Figura 4. Enquanto não são necessárias alterações para a fase inicial em que a não linearidade do material é desativada, torna-se importante para as fases subsequentes, como em CS2, onde pode ativar a opção "Equilíbrio para estrutura não deformada" (ver Figura 6). Isto garante que as deformações se mantenham a zero, permitindo manter as tensões devido ao peso próprio do solo. Este passo é crucial para estabelecer o estado de tensão correto, garantindo que o modelo de material providencia a rigidez apropriada.
Ao verificar as configurações na Figura 6, é possível observar que as configurações da análise estática para a fase inicial estão definidas com um único incremento de carga. No entanto, uma vez que as cargas serão aplicadas em fases sucessivas, são necessárias considerações adicionais, tais como ajustar o número de incrementos de carga para refletir a evolução das condições de carga. Para resolver isso, pode ser criado um novo parâmetro de análise estática com um número de incrementos de carga mais elevado e atribuído às fases subsequentes. O número específico de incrementos de carga para cada fase neste modelo é detalhado na tabela abaixo, garantindo um alinhamento preciso com a sequência da construção.
align=center@width=20%@bgcolor=lightgray | align=center | align=center | ||||
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Fase de construção: | Segue-se: | Objetos adicionados | Caso de carga ativo | Modificação da estrutura: | Número de incrementos de carga: | Considerações adicionais: |
CS1 | / | Sólido de solo, superfícies com condições de fronteira | CC4 | Modelos de não linearidade de material desativados | 1 | / |
CS2 | CS1 | / | CC4 | / | 1 | Equilíbrio para a estrutura não deformada (u=0) |
CS3 | CS2 | Elementos de fundação | CC1, CC4 | / | 2 | / |
CS4 | CS3 | Rés do chão: Paredes e pilares | CC1, CC4 | / | 2 | / |
CS5 | CS4 | Rés do chão: Teto | CC1, CC4 | / | 2 | / |
CS6 | CS5 | 1º Andar: Paredes e pilares | CC1, CC4 | / | 6 | / |
CS7 | CS6 | Teto de cobertura | CC1, CC4 | / | 6 | / |
CS8 | CS7 | Peso próprio | CC1, CC2, CC4 | / | 10 | / |
CS9 | CS8 | Carga variável | CC1, CC2, CC3, CC4 | / | 10 | / |
align=center@width=20%@bgcolor=lightgray | align=center | align=center |
---|---|---|
Caso de carga | Carga aplicada | |
CC1 | Peso próprio da estrutura | |
CC2 | Peso próprio | |
CC3 | Carga variável | |
CC4 | Peso próprio do solo |
Conforme destacado na introdução, é crucial definir as fases de construção subsequentes de uma forma que reflita com precisão o processo de construção e o carregamento, ao mesmo tempo que regista de forma realista o comportamento do solo. Seguindo o fluxo de trabalho delineado para a fase inicial de construção (CS1 Início) e aplicando as notas fornecidas para as outras fases, as tabelas 1 e 2 podem servir de guia para definir as fases subsequentes. Tenha em atenção que todas as fases de construção são analisadas utilizando a abordagem geometricamente linear, com o método Newton-Raphson a ser utilizado para a análise não linear. Ajustes para outras configurações da análise, tais como o número de incrementos de carga, são detalhados na tabela abaixo.
Uma vez definidas as fases de construção, o próximo passo é ajustar as configurações para a geração das combinações de cargas antes de iniciar os cálculos. Isto pode ser alcançado no assistente de combinações para a situação de dimensionamento relevante. Aqui, pode definir os parâmetros de análise e ativar a opção para considerar um estado inicial, permitindo a atribuição das fases de construção definidas, conforme apresentado na Figura 7. Este método garante que as combinações de cargas sejam geradas para cada fase, incorporando o estado inicial da fase anterior, proporcionando uma transição perfeita e precisa entre as fases de construção.
Agora, está na posse de toda a informação necessária para iniciar o cálculo e analisar os resultados. Por exemplo, é possível visualizar os deslocamentos em cada fase de construção, bem como os deslocamentos finais correspondentes à fase CS9 concluída, onde a estrutura se encontra totalmente construída e todas as cargas são aplicadas. Além disso, pode optar por apresentar os resultados como diferenças num incremento de carga numa fase ou em relação à fase anterior (Figura 8). Isto permite-lhe observar as deformações causadas pela construção de elementos estruturais específicos ou pela aplicação de cargas. Na Figura 8, por exemplo, podem ser visualizados os assentamentos causados pela construção dos elementos de fundação.
Conclusão
Integrar as fases de construção na análise geotécnica de elementos finitos é essencial para garantir a segurança, a estabilidade e a durabilidade das estruturas. Ao simular o progresso passo a passo da construção, os engenheiros podem avaliar com precisão o comportamento do solo, otimizar os dimensionamentos e tratar de forma proativa os riscos potenciais. À medida que os projetos aumentam em escala e complexidade, a análise por fases torna-se cada vez mais indispensável. Com as suas funções avançadas e ferramentas intuitivas, o RFEM 6 providencia aos engenheiros uma plataforma poderosa para a realização de análises detalhadas das fases de construção, aumentando assim a eficiência e a fiabilidade na engenharia geotécnica.